The New Abnormal

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Ouça o novo disco:

Tradução – Talvez você não viva só uma vez: O novo vácuo de Julian Casablancas

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Foto por Abby Ross

Na edição de abril de 2015 da Noisey foi publicada uma matéria sobre Julian Casablancas, na qual o artista fala de música, política e suas aspirações. Vejam a seguir a nossa tradução:

Depois de meses tentando desembrulhar o cérebro do líder dos Strokes, ainda não temos certeza do que descobrimos. No fim, esse deve ter sido o plano o tempo inteiro.

O sol começa a tocar as árvores e desaparecer de vista enquanto Julian Casablancas e eu sentamos olhando um lago na área rural de Nova Iorque. É um dia fresco e claro de outubro, e ele está brincando com a ideia de dirigir até a cidade. Ariel Pink tem um show no Brooklyn. Não é um pouco tarde para entrar na lista? “Meu rosto é meu passe para o backstage,” ele ironiza, completando rapidamente, “Courtney Love me disse isso um tempo atrás. Ela e Winona Ryder estavam dirigindo depois de um show e Courtney gritou, ‘Venha ser famoso conosco!’”

O líder dos Strokes não é famoso de muitos flashs, mas ele é reverenciado em uma espécie de culto, especialmente no cenário musical de Nova Iorque. Ele é o tipo de cara que você nota, mesmo que não tenha certeza do motivo. Hoje sua figura de 1,88m está vestida em calças jeans brancas sujas e uma camisa vermelha de flanela que aparece pouco por dentro da velha e lustrosa jaqueta preta dos Knicks, que ele viria a vestir cada vez que nossos caminhos se cruzaram poucos meses à frente. No terreno cercado de cidade perfeita onde nos encontramos mais cedo aquele dia, ele estava genuinamente incongruente, dirigindo um Monte Carlo SS da Chevrolet dos anos 80 que ele comprou no Craigslist. Todo preto com detalhes vermelhos e um interior amarronzado, ele abraça a estrada lentamente e o motor emite um profundo ruído agradável. O cantor de 36 anos cruza o estacionamento da linha do trem e para. Ele sai do carro, sorrindo, e abre a porta do passageiro. Depois, quando estacionamos em um café-restaurante tão singular que parece uma ilustração, um homem de meia idade passa por perto com sua esposa e balança a cabeça, apreciativo: “Esse é um carro clássico. Essa coisa é maravilhosa!”

Estou encontrando Casablancas para conversar sobre seu disco Tyranny. É seu segundo disco fora dos Strokes – depois de Phrazes for the Young de 2009 –, mas seu primeiro com uma nova gangue vestida em couro, The Voidz. Sugerido por ele, nos encontramos a poucos passos do local para onde ele, sua esposa e filhinho recentemente se mudaram, é assim que nos encontramos caminhando por uma estradinha meio escondida, pisando em folhas secas até um lago bem próximo. Sentamos em nossos casacos perto da água. Álcool, cigarros, maconha e café são todos vícios do passado. Red Bull tipicamente ajuda Casablancas a se tornar mais comunicativo e atingir o requisito necessário para uma entrevista, mas não há nenhum Red Bull por perto. Hoje, ele bebe água vitaminada. É roxa.

A primeira vez que conheci The Strokes foi dia 1º de fevereiro de 2001, em Brighton, Inglaterra. Era seu primeiro show principal no Reino Unido, e eles haviam lançado o EP The Modern Age poucos dias antes. Mesmo sendo de Nova Iorque, eles foram maiores primeiro no Reino Unido, onde o burburinho tinha uma ordem de magnitude mais alta de que qualquer outro artista da época. Caminhei por aquela casa de shows suja enquanto uma passagem de som ecoava, uma estudante de jornalismo com algumas entrevistas a tiracolo. Eu usava calças jeans desbotadas porque era o que todo mundo usava na época, e J.Lo, Limp Bizkit, Eminem, Britney e Christina estavam em rotação permanente na MTV. Eu conduzi uma entrevista terrível. Os Strokes eram amáveis e ansiosos para falar; alguns deles eram oblíquos (Valensi), outros estupefatos e levemente impacientes (Casablancas). Em algum momento perguntei, “Então, Britney ou Christina?”

Além da dominância do pop e nu-metal nos catálogos internacionais, a música no Reino Unido estava sofrendo de um inchaço pós Britpop – a cena estava inundada de baladas indies mancas e dedilhados acústicos chorosos. Não é uma hipérbole vazia dizer que os Strokes mudaram o cenário do indie rock em 2001; na verdade, eles deram a ele um rosto. Além do Britpop, o indie dos anos 90 era aquela coisa de artistas lo-fi pop preguiçosos como Pavement e Sebadoh, bandas brilhantes que, no entanto, você seria bastante pressionado a escolher em um lineup. The Strokes permitiu um novo padrão ouro, e todos caíram sob a influência de suas tensas e lacônicas canções que capturaram a invencibilidade da juventude. Eles encarnaram um tédio amarrotado, mas também uma paixão imprudente, sedutora. Suas músicas inflamaram pistas de dança também – ao lado de The Rapture, Yeah Yeah Yeahs, Interpol, Kings of Leon, The Walkmen, The White Stripes e The Killers. Refletindo sobre a primeira vez que ele ouviu The Strokes – a propósito, enquanto a banda dele estava em turnê no Reino Unido em abril de 2001 – Daniel Kessler descreve as músicas como algo “irrefreável e contagiante e assim será para sempre. Eu realmente acredito na banda como um coletivo e nos integrantes individualmente. Eu sempre apostaria nos Strokes.”

O guitarrista de The Voidz, Jeramy ‘Beardo’ Gritter descrve os Strokes como “provavelmente a banda mais legal do mundo no começo dos anos 2000”. Alex Turner disse a Stereogum em 2011 que os Strokes foram “aquela banda que vem quando você tem 14 ou 15 anos que te atinge do jeito certo e muda toda sua percepção das coisas”. Enquanto Karen O – que recentemente lançou seu disco solo pelo selo indie de Casablancas, Cult Records – lembra de assistir um show em Nova Iorque e pensar, “Certo, essa é a competição, e então, antes que eu soubesse, NME estava dizendo que eles eram os salvadores do rock. Eles foram de auto-destrutivos, parecendo uma banda de rock de garagem, para essa grande responsabilidade e título, mas houve um momento que senti que ainda estávamos todos no trampolim, prontos pra saltar”.

Cinco meses depois da primeira entrevista – e ainda antes do lançamento do Is This It – os Strokes voltaram a tocar em uma turnê pelo Reino Unido com ingressos esgotados, culminando em seu primeiro top 20 com “Hard to Explain” / “New York City Cops”. Em algum momento durante esse prazo, eu me vi em Oxford assistindo a banda rasgar uma lista de 10 canções para uma multidão que incluía nomes como Thom Yorke. A banda teve detratores que se ofenderam com a origem privilegiada e a boa aparência dos membros; quando eles festejavam em público, as pessoas literalmente queriam brigar com eles. Como Kelly Kiley, que trabalha para a sua antiga gravadora Rough Trade UK brincou com freqüência, “Namorados odeiam os Strokes”, e eles odiaram. Mas isso não impediu que esses namorados também quisessem ser como eles.

Casablancas anda com um novo grupo agora. Ao lado Gritter, The Voidz incluem Amir Yaghmai, Jake Bercovici, Alex Carepetis e Jeff Kite, os dois últimos estão com Casablancas desde Phrazes. The Voidz parece muito um encontro de Mad Max e The Warriors – muito couro, remendos, tachinhas, tatuagens e cabelos muito selvagens. Se esses caras encontrassem The Strokes em uma quadra de concreto, ao estilo West Side Story, você definitivamente colocaria seu dinheiro na Voidz. Lançado em setembro passado, Tyranny é uma coleção confusa, especialmente contra o pano de fundo do lançamento anterior de Casablancas. É um longo e estranho atropelo de ganchos pop, perucas barrocas e súbitas mudanças rítmicas. A partir da cambalhota excêntrica de “Father Electricity” para a surra punk de “M.utually A.ssured D.estruction”, as cadências melódicas do sexteto são impossíveis de prever. “Xerox” começa como uma enjoada canção de ninar só para se tornar docemente desconsolada no refrão. No centro do álbum está a obra densa de 11 minutos que é “Human Sadness”, uma canção que foi chamada anteriormente de “Fuck Depression”. Nela, a linha principal e sem esperança de Casablancas passa algum tempo espelhada por guitarras que, eventualmente surgem para um solo que dura um minuto inteiro.

Tyranny tem muito para absorver e exige bastante do ouvinte, mas há uma glória na dissonância deste álbum, a sua sincera esquisitice. Produzido por Shawn Everett (que trabalhou bastante com Weezer), o álbum levou dois anos para ser escrito, com uma boa parte das canções cristalizadas em sessões de estúdio acima da livraria Strand no East Village. É o disco de quase-protesto de Casablancas, suas letras emaranhadas com ruminações obtusas sobre o estado das coisas – para além de “Human Sadness”, que ele admite ter sido, pelo menos em parte, inspirada pela perda de seu pai para o câncer em 2013. É uma experiência que ele compara ao telhado caindo: “Este conforto que você não sabia que você tinha se foi; não há ninguém para perguntar, como um homem, e isso tem um efeito profundo”.

O disco é resultado do que Bercovici chama um punhado de “híbridos músicos patetas” trocando ideias, tentando “domesticar notas selvagens”, discutindo assinaturas de tempo, tons e equalização enquanto pesquisavam muito sobre discos esotéricos africanos e turcos dos anos 70, cortesia do blog de mp3 Holy Warbles (que, graças à queda do Megaupload, está agora extinto). “Às vezes, pode ser difícil colocar seis pessoas na mesma página”, Bercovici explica por e-mail. “Mas nós damos um ao outro um monte de espaço para explorar, porque estamos todos muito interessados nos resultados que são únicos e pouco percorridos, e isso exige paciência, e uma espécie de obsessão”. Em última análise, Casablancas diz: “Nós todos concordamos que queremos que ele pareça simples e fresco e cativante”.

Considerando tudo que foi feito dos primeiros discos do Strokes, sob a direção exclusiva de Casablancas – com seus dois últimos álbuns menos bem sucedidos comercialmente, Angles, de 2011 e Comedown Machine, sem turnê e não promovido, sendo resultado de uma banda trabalhando mais democraticamente, mas também desarmoniosamente – eu pergunto se com Voidz ele sente que é uma colaboração mais verdadeira do que ele sentiu em uma banda reunida antes. “Uh, sim?” Ele responde hesitante. “Será que vou ficar em apuros por dizer isso? Mmmm. Curta história longa, sim”.

The Strokes encerraram 2001 como a atração principal no histórico Apollo Theatre no Harlem, em Nova Iorque, na noite de Ano Novo, ao lado de seus heróis Guided By Voices e do comediante David Cross. A audiência se levantou dos assentos vermelhos brilhantes no minuto em que a banda subiu ao palco, dançando nos corredores sob confetes caindo e balões espalhados. O quinteto tocou em 2002, com uma dramática interpretação de “The Modern Age” e, com uma emoção embriagada, a multidão invadiu o palco para uma dança e um beijo. Muito, muito mais tarde, todo mundo acabou fazendo bagunça no 2A, aquele bar de dois andares no East Village, em frente ao estúdio onde eles passaram muitas noites trabalhando no Is This It.

Assim como um amante olha para trás em um relacionamento recém desfeito e anseia por aqueles primeiros meses, tingidos de sépia e dando pouco enfoque para as falhas e fraquezas, também um fã de música tende a gostar que seu artista permaneça perto o bastante daquela versão deles pela qual se apaixonaram, especialmente se, em seus corações, essa versão nunca foi superada. Já em 2005, em “Killing Lies” Casablancas cantou: “Don’t think that everything is gonna stay the same / That’s impossible”. Nós podemos querer manter os Strokes como as crianças que eram quando os conhecemos, os melhores amigos vivendo o melhor momento, mas as coisas mudaram. Eles se separaram para projetos solo e se juntaram novamente; Hammond Jr. finalmente se livrou das drogas (heroína, coca, cetamina, pílulas); Moretti, que estudou escultura anteriormente, está se concentrando cada vez mais na arte que não é música. Quatro deles são casados, três deles são pais, e apenas dois deles, Nikolai e Albert – ainda vivem em Nova Iorque.

Durante nossa conversa perto do lago, digo a Casablancas que é engraçado que um homem que dirige um carro que se parece com KITT de Knight Rider e aprecia o design de 30 anos atrás é tão absolutamente não nostálgico sobre os primeiros dias de sua própria carreira. Ele deixa escapar um suspiro pesado. “Aqui está a questão, The Strokes, o relacionamento é bom agora”, ele explica. “FYF [Festival em 2014] foi uma espécie de um momento em que finalmente as coisas estavam legais pra mim, mas isso foi há muito pouco tempo. Então, eu estou tentando fazer coisas para manter isso vivo, trabalhar nisso, dar uma chance”.

“The Strokes era a minha vida”, ele continua. “Era tudo, e eu apostei tudo nisso – era uma jornada que eu queria continuar seguindo, mas eu não podia mais fazer isso, e foi muito frustrante. Então levou todo esse tempo para contornar e quase começar uma nova banda para chegar ao ponto em que eu possa continuar a fazer o que me propus a fazer desde o início. É como se tivéssemos a melhor equipe de todas e antes de ganhar o campeonato as pessoas começassem a celebrar e não treinássemos mais. E ainda temos que jogar os jogos decisivos.”

Ele pausa. Nós sentamos em silêncio por um tempo. Os carros zumbem na estrada próxima; o laguinho permanece calmo. “Eu me sinto nostálgico às vezes”, ele admite. “Também eu bebia demais. Eu não tenho lembranças nítidas. Eu gostaria de poder voltar e fazer tudo sóbrio para que eu pudesse realmente saborear tudo. Lembro de coisas, mas talvez as coisas que me deixam mais nostálgico, eu estava um pouco dormente para saber como eu gostaria de lembrar”.

Ele realmente bebia muito. Ele era uma figura suja, enfumaçada, cambaleando em um terno listrado cinzento e gravata rosa pálido; ele olhava o clamor de sob as pálpebras pesadas. Por que ele fez isso? Por todas as razões que você já sabe: “A insegurança, influências erradas, The Doors. É uma mitologia estúpida. É como chegar àquele ponto, eles tinham que fazer todo esse trabalho sério, mas, em seguida, quando eles eram famosos e eles ficaram bêbados todo mundo estava tipo, ‘Oh, sim, ele é famoso porque ele está bêbado’. As pessoas gostam desse mito, e você absorve quando é criança. E uma vez que eu estava lá… Eu não sei, você bebe, e você é louco, mas eu sinto como se eu tivesse tido confiança pra fazer isso sóbrio, teria sido melhor em muitos níveis”.

Em novembro, The Voidz fizeram um show de regresso no Hammerstein Ballroom, em Nova Iorque. A multidão está igualmente frenética e curiosa, esticando o pescoço; o set é salpicado com algumas músicas dos Strokes e, em alguns pontos, Casablancas traz Shabazz Palaces e Dev Hynes para tocar com a banda. Uma interpretação da demo mais amada dos Strokes “I’ll Try Anything” provoca uma encorpado coro. Em um momento, Casablancas ironiza: “Então, eu me encontrei com Dev hoje… fomos para um brunch, na verdade”, em referência a uma infame citação de improviso na GQ sobre a cultura de brunch em Nova Iorque ser a razão pela qual ele se mudou da cidade – e o chão explode. É um raro momento de brincadeira bem feita.

“Eu tenho que dizer, foi definitivamente uma experiência transcendente”, diz Karen O, ao telefone, sobre um recente show de Voidz. “Me lembrou de quando eu fui ver Brian Wilson apresentar Smile. Parecia que você estava saltando na mente de algum gênio louco. O caos ordenado do que está acontecendo ao lado da emoção crua – o que a eleva a outro nível – parecia que ele realmente encontrou-se neste álbum e do jeito que ele o apresentou. Como se houvesse alguma catarse e é isso que eu estava assistindo. Tudo fazia sentido depois de vê-lo ao vivo, algo que eu senti foi realmente subvalorizado para ser honesta. Senti como se assistisse a história sendo feita. Eu me senti tão em êxtase depois disso.”

No palco Casablancas pode ser um poderoso intérprete, sempre conseguindo segurar o público mesmo quando está imóvel, duas mãos segurando o pedestal do microfone, mas ser um showman não é algo que vem naturalmente. “É muito difícil ser você mesmo na frente de tantas pessoas, observando e julgando – é difícil até andar pelo palco”, diz ele. “É como se alguém tira a foto, você fica todo não natural. Eu sei o que vai fazer a multidão gritar”, diz ele, colocando uma voz showman crescendo, “‘VOCÊS ESTÃO PRONTOS PARA TER UM BOM MOMENTO?’ É falso, e eu não posso me obrigar a fazer isso. É como uma desonestidade. Eu sei que isso vai irritar as pessoas, mas eu só tenho que continuar honesto.”

De repente, um homem aparece do nada andando no meio da floresta. Assustados, nós abandonamos o lago e voltamos ao carro de Casablancas. O limpador de para-brisa está quebrado e passa pelo vidro em intervalos regulares, não importa o clima. Nós voltamos ao estacionamento da estação de trem. De um lado há uma ponte abandonada, de metal enferrujado e concreto quebrado. Nos apertamos pela grade projetada para manter longe os invasores.

“Isso é um pouco mais tipo Bruce Springsteen: ali está a vista da estrada ou a vista da estrada de ferro”, ele diz, gesticulando sobre os arredores. Nos sentamos olhando para os trilhos. Apesar dos barulhos intermitentes dos trens — e até isso é bem relaxante — tudo está calmo. Demorou sete ou oito anos para Casablancas encontrar o “esconderijo legal” onde vive agora, mas ele faz questão de salientar que está morando na cidade, não enclausurado em casa, ao lado da lareira, no fim do mundo. Ele dirige pra lá algumas vezes por semana.

Ele é tão analítico que às vezes isso o impede de formar frases inteiras. Ele acha isso frustrante e engraçado ao mesmo tempo. Como muitos músicos, ele se comunica mais claramente por meio de sua música do que pela conversa. Às vezes, ele canta sua indecisão: “Não muito, talvez, eu não sei, eu não sei, eu não sei…” Mas ele também possui a certeza de um artista que dava ordens meticulosamente e cujas ordens valeram a pena. De acordo com o agente dos Strokes, Ryan Gentles, que está com a banda desde o verão de 2000, Casablancas está três passos à frente de todo mundo o tempo todo. “Eu já estive em lugares em que ele estava, ‘Algo não está certo, o chimbau* está desligado’, e tudo foi checado dez vezes”, Gentles me diz. “Então o produtor percebe que alguém se apoiou em alguma coisa e está meio decibel mais alto do que estava antes, eles colocam de volta, e Jules volta e diz, ‘Agora está perfeito’. Essas coisas são muito importantes. Ele é tão sensível à menor pincelada porque há muito peso sobre como a pintura inteira vai ficar”.

Gentles afirma que Casablancas será lembrado como um “verdadeiro gênio criativo”. Parece o tipo de declaração forte que o faria dar de ombros inquietamente — ou talvez ficasse secretamente contente. Ele tem consciência de ser visto como vaidoso e arrogante, embora nós concordemos que esses traços são vetores essenciais ao DNA do líder de uma banda e compositor principal. Gênio ou não, para muitas pessoas, The Strokes foi a última banda de rock antes que a internet desmistificasse tudo e o acesso a tudo se tornou a norma. Hoje em dia, o mito foi substituído pela mineração de minúcias. Eu arrisco que Casablancas não gosta da curiosidade, mas ele a entende? “Sim, mas não é porque alguém quer saber alguma coisa que ele tem o direito de saber”, ele diz. “Há pessoas sobre quem eu quero saber também. Quem? Quando eu era garoto, Eddie Vedder.”

Eu sugiro que eles são amigos agora. “Amigos, bem que eu queria! Nós somos amigáveis, mas você sabe, é difícil — você precisa parecer legal na frente de seus ídolos. Sim! Eu queria que fôssemos melhores amigos! Eu quero entalhar Jules e Eddie naquela árvore. Mas eu acho que se eu ler – agora ele faz uma voz de documentário tipo David Attenborough – ‘Eddie Vedder vai ao supermercado e compra arroz sem glúten’ — arroz tem glúten? Eu não sei! — ‘Ele está usando calças de correr…’ Eu não gostaria de saber isso; Eu preferiria imaginar. Talvez ele desaparecesse em uma caverna e saísse depois com 13 amazonas! O mistério é melhor.”

Meses depois, nós nos encontramos para jantar em Williamsburg em uma frágil noite de janeiro dois dias depois de a cidade entrar em pânico por causa de uma tempestade de inverno que nunca se materializou totalmente. Casablancas pode parecer um alien no norte do estado, mas ele também é só mais um. Aqui no Brooklyn, mesmo estando escondidos em uma cabine no fundo do restaurante, os clientes e garçons estão sutilmente conscientes de sua presença. Um dos donos me diz depois que ele tirou uma música dos Strokes da playlist do bar com medo de que ela tocasse enquanto estivéssemos comendo. Quando eu volto do banheiro, encontro uma garota francesa bonita ao lado de Casablancas, iPhone pronto para uma foto. Ela está com vergonha, mas claramente empolgada. Ela o agradece pela música.

Em algum momento nos últimos dois anos Casablancas desistiu de seu celular, pensando que seria mais difícil persuadi-lo a fazer coisas que ele não queria se estivesse ao menos meio escondido. Ele gosta de ficar entediado esperando o elevador em vez de ficar lá checando os e-mails. Mas ele é enfático em seu amor pela internet. Embora se mantenha distante da imprensa que fala dele, durante raros “momentos masoquistas” ele ocasionalmente olha para o lado, para os comentários dos leitores. “Sem dúvidas, é sempre doloroso”, ele diz. “Nada a ver comigo ou com a minha música, mas eu acho que comentários anônimos são completamente esquisitos e doentios.” Em vez disso, ele carrega um iPad, e o iMessage parece ser sua principal fonte de comunicação. Vários momentos durante o jantar ele clica no Shazam e segura o tablet em direção às caixas de som. “Isso não parece muito legal!” ele diz. As duas primeiras músicas não dão resultado; a última é Black Angel, “Yellow Elevator #2”. Nunca vai a mais de 92 no rádio. Ele confia em estações de rádio universitárias e algumas profundas explorações no YouTube.

“Eu estou extasiado — Eu tenho muita música nova para escutar!”, ele diz. Casablancas gosta de música pop. Ele tem um fraco por Cyndi Lauper, gosta de Mac DeMarco, e diz que “Chandelier”, da Sia, é sua canção preferida do ano passado. Quando ela atinge aquelas notas altas “é um dos melhores momentos vocais de todos os tempos”. Às vezes ele dança pela casa com seu filho Cal ouvindo a trilha sonora de Dirty Dancing. “Não sou muito dançarino; me mantenho longe das coisas nas quais sou naturalmente ruim.” Durante nossos dois encontros ele canta “I Belive I Can Fly”, de R. Kelly, meio sussurrado, para ninguém em particular. Marty Nolan, o gerente geral da Cult Records, me diz mais tarde que ele chama o cantor de “o jukebox humano”.

Mas Casablancas tem uma profunda descrença pelo mainstream também — seja a agenda da mídia ou o iTunes, que ele chama de “merda tóxica”, acrescentando, “isso é um pouco pesado, mas o que quer que eles coloquem na página principal tem tanto poder. E eles não colocam as melhores coisas. Eles só estão lá para ganhar dinheiro”. Ele está em cima do muro sobre Lorde — uma artista que ele acha estar flutuando naquela “área cinzenta traçoeira”. Ele acrescenta, “eu acho que é um pouco arte falsa”. Em 2009, Casablancas fundou a Cult — cujo rol inclui a já mencionada cantora do Yeah Yeah Yeahs, Karen O, Cerebral Ballzy, Har Mar Superstar e Albert Hammond Jr., entre outros. Com esse selo e The Voidz, ele pretende cutucar a música underground esquisita, cool e experimental para orelhas mainstream. É bem idealista. Assim que algo conquista o mainstream, ele perde seu fator ‘cool’, eu contradigo, mas ele devolve: “Thriller, Nirvana, Star Wars”.

Sua carreira pode quase ser vista como uma série de testes para esta ideia: se Strokes fosse uma versão muito específica de cool que virou mainstream, The Voidz são uma encarnação mais expansiva, menos facilmente redutível, para quem ele tem ambições similares. No final de 2014, The Voidz completou sua primeira turnê pelos EUA/Reino Unido, e Casablancas diz que, embora pareça o começo de sua jornada juntos, ele também está pensando no próximo capítulo — no qual ele espera que The Strokes e The Voidz trabalhem em paralelo. The Strokes já anunciou um pequeno número de aparições em grandes festivais de alto nível esse verão, e Casablancas se junta a Hammond Jr, Moretti, Fraiture e Valensi em Manhattan para a próxima semana ou algo assim. “É a primeira vez que estamos compondo exclusivamente desde Comedown Machine”, ele diz. “Nós planejamos gravar coisas. Eu ainda acho que podemos fazer coisas legais e eu vou fazer isso. Eu gostaria de manter ambas [as bandas], se eu puder”.

Muito parece estar pesando em Casablancas essa noite: qual seu próximo passo, o que ele deve priorizar, como equilibrar tudo, que pista tomar. “Eu aluguei todos os 20”, ele diz, com um meio sorriso cansado. Eu pergunto qual opinião ele respeita mais. “Minha esposa, então Sam [Adoquei, seu padastro], e minha mãe. Então novamente me sinto também — e isso não é para desrespeitá-los — mas eu me sinto estranhamente sozinho.” Ele está batucando na mesa, sacudindo sua perna direita. “Quando eu penso nas principais coisas que me deixam confuso, não sei se tenho alguém com quem conversar.”

Está se aproximando da 1 da manhã, e o tempo mudou. “Let it snow, let it snow, let it snow”, ele canta em uma voz de Dean Martin. Nós escorregamos e patinamos vários quarteirões até um lugar chamado Baby’s All Right, onde as Savages estão tocando um show remarcado. As post punks de preto vieram de Londres para gravar seu segundo disco, e é a penúltima noite de seus nove shows em Nova York. Casablancas se tornou amigo da banda quando elas tocaram ao lado do The Voidz em um punhado de festivais sul-americanos no começo do ano passado. Ele está decidido a fazer um dueto com a cantora Jehnny Beth em uma canção a ser lançada.

No jantar, ele mencionou que sua obsessão com política se tornou algo que o “consumiu completamente”. Embora Casablancas discorde, seus discos até agora parecem manifestamente apolíticos. Tyranny é diferente: ele gastou mais tempo nas letras do que nunca (embora, em um movimento contrário, elas também sejam mais escondidas e difíceis de decifrar). Suas palavras são falácias frouxas, o humor desviando do resignado e melancólico para questionador e suspeito, e às vezes, corrosivamente bravo, lutando contra a passividade e aqueles que perseguem o que é, em última análise, vazio. Ele nota que Tyranny é mais um estudo de moralidade do que de política. Casablancas é um fã do segundo disco de Run the Jewels, que vai direto ao que interessa, apontando sexismo, brutalidade policial, gentrificação, desequilíbrio socioeconômico, a guerra contra o terror — Killer Mike e El-P são explícitos em tudo isso. Mas quando eu tento abordar o assunto bastante amplo do que Casablancas acha errado no mundo, o que ele especificamente acha que deve mudar, nossa conversa cambaleia.

Vários dias depois ele me manda seus pensamentos sobre política de maneira escrita. Que começa com Casablancas questionando as elites sem compaixão, movidas por dinheiro, o fracasso da mídia de relatar isso correta e objetivamente, e a separação do dinheiro e do estado, o que leva inevitavelmente a Ferguson. “Claramente estamos longe de igualdade racial e o sistema de justiça está longe de não enxergar cores”, ele escreve. “Nós vemos o quão longe as pessoas precisam ser empurradas para protestar, o que é uma pena, mas ao menos vemos isso acontecendo, o que é positivo. Apenas um entendimento claro do que está acontecendo já seria a maior vitória possível porque a cegueira estilo Matrix na América é simplesmente triste e assustadora agora”.

No que escreveu pra mim, ele cita o comentador Bill Maher, o teórico Henry Giroux, o jornalista e ativista Chris Hedges, assim como Russel Brand, Louis CK, e Sarah Silverman como figuras abertas que falam de questões culturais e políticas de formas digestíveis e exatas. Mas é Martin Luther King Jr. que Casablancas cita como seu filósofo favorito. “A genialidade de MLK é que ele conseguiu que pessoas brancas ficassem a par e conscientes, e foi isso que fez as leis mudarem e terminou com a segregação legal. Duas pessoas que são vítimas da situação meio que sabem o que está acontecendo, e o objetivo de um novo movimento precisa ser inclusivo — quanto mais gente na bolha com coragem de levantar a voz, melhor”. Ele considera a força em números como uma necessidade, pois, historicamente, muitos dos que levantaram suas cabeças e “diretamente ameaçaram os interesses financeiros americanos, ou [que] ameaçaram a real mudança ou um despertar, basicamente foram exterminados”.

É um território novo para Casablancas — ele está intencionalmente longe de sua zona de conforto e, como sempre, hiperconsciente de como ele será percebido. E para seu crédito, é difícil oferecer um conjunto de opiniões em nuance sobre política, história, e natureza humana para um mundo que está interessado no que você tem a dizer porque você é o cantor de uma banda de rock. Mas ele permanece irredutível, Casablancas quer contribuir à conversação, que por sua vez levanta a questão, que tipo de ação ele irá tomar? “Eu sempre penso e trabalho de maneira — espero que com a ajuda de outros bem mais espertos que eu — a passar essas mensagens mais claramente e para mais pessoas. É certamente assustador; no entanto, é empolgante e bem possível, em minha opinião. “Também vou continuar fazendo música, e talvez um dia um caminho mais claro se revele, mas agora é mais uma questão de estudo para mim — aprendendo o que eu posso e pensando mais sobre quaisquer formas que eu possa ajudar”, ele diz, antes de acrescentar, “Sugestão para a sessão de comentários: ‘Você pode ajudar calando a boca sobre coisas que você não sabe e tocar com os Strokes, seu idiota convencido’”.

Nessa hora, chegamos ao Baby’s. Casablancas está na lista de convidados, mas quando chegamos à porta, o homem não olha para a lista de nomes: ele olha no rosto do cantor, carimba sua mão, e acena para entrar. Mais tarde, no backstage, Casablancas está relaxado e brincando, conversando com o cantor Luke Rathborne, um esgui talento com quem ele costumava dividir o agente. Em um momento, ele olha para a parede de espelhos e bagunça seu cabelo, dizendo aos que estão perto dele que parece que ele está usando uma peruca do jeito errado. “Uma vez eu tive um corte de cabelo”, ele diz. “Agora eu não sei o que está acontecendo”. As garotas do The Savages enchem o saco de Casablancas por sua falta de roupa de inverno — aquela jaqueta do Knicks, o jeans rasgado — e dão para ele um agasalho da bancada de merchandising da band que ele veste na hora. Jehnny Beth tira uma foto que vai parar no Instagram no dia seguinte. Tem algo de familiar nessa cena — a banda no limiar, os shows lotados fora de seu país — mas não é mais o mundo de Julian Casablancas. Os pontos de referência mudaram. Ele ainda está procurando seu caminho pela vida, embaçado, mas com convicção; mas tem mais clareza agora. Eu volto a pensar em nossa conversa do jantar: “Algumas pessoas conseguem apenas falar, e elas podem falar em um nível fácil de entender, e elas podem dizer todos seus motivos, e resumir”. Ele lamenta, “eu sou apenas uma confusão de pensamentos. Estou tentando. Estava esperando ter um avanço essa noite… Não desista de mim”.

*chimbau: parte da bateria.
Fonte: Noisey

Tradução: Equipe TSBR