The New Abnormal

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JULIAN CASABLANCAS EM ENTREVISTA


Foi publicada ontem, dia 27 de novembro, uma entrevista feita com Julian Casablancas, para o Estadão. Algumas perguntas são bem parecidas com as que ele respondeu em outra entrevista feita no país, como vocês poderão ver. Transferimos a entrevista pra cá, e vocês podem ler a seguir.
Por Daniel Japiassu, de O Estado de S. Paulo

Foram trinta minutos de conversa. No relógio. “Culpe a produção”, avisou, sorrindo. Talvez, mas o certo é que Julian Fernando Casablancas é famoso por não gostar de dar entrevistas. Descalço, um tanto descabelado, óculos escuros (o mesmo que usa nos shows), o vocalista dos Strokes recebeu a coluna, no Hotel Emiliano, em São Paulo, num domingo frio de novembro – pouco antes de embarcar de volta aos Estados Unidos.

Sua banda havia fechado o festival Planeta Terra na noite anterior (parte da turnê de lançamento de Angles, quarto álbum do quinteto), em um show aclamado por público e crítica. “Eu queria muito voltar ao Brasil para me redimir”, revelou, referindo-se ao desastre de 2005, quando se apresentou no País quase sem voz por causa de um resfriado persistente.

Filho do fundador da Elite Model, John Casablancas – “mas não quero falar sobre isso, por favor!” -, o cantor e compositor nova-iorquino de 33 anos tem o timbre parecido com o de Lou Reed (com quem vive sendo comparado). Fora do palco, mantém o tom muito baixo, quase num muxoxo. E parece mesmo desconfortável na presença do gravador.

Com um imenso cartaz da Azzaro como testemunha (ele acaba de se tornar garoto-propaganda da grife), e a produção cronometrando o encontro, Julian falou sobre carreira, a evolução da banda desde o primeiro CD, em 1999, e seu processo criativo. Também arriscou palavras em português e até respondeu, com bom humor, ao questionário do célebre apresentador de TV francês Bernard Pivot.

Você é famoso por não dar entrevistas. Tem algum problema com jornalistas?

(risos) Não, não… (fingindo seriedade) Não. Eles estão apenas fazendo seu trabalho. Mas, como tudo na vida – música, cinema etc. -, o jornalismo também tem 90% de gente medíocre. E, muitas vezes, o jornalista sai da redação com uma pauta a cumprir. Então… enfim, muito do que a gente diz acaba sendo simplesmente ignorado ou deturpado. Sei que as pessoas têm necessidade de ler a respeito de celebridades, embora, particularmente, eu não goste desse termo. Acho que faz parte, mas não me acostumo a dar entrevistas. Respeito o trabalho dos jornalistas (risos), só não gosto muito de falar.

Agora que você é a new face da Azzaro (garoto-propaganda do perfume Decibel), isso melhorou ou piorou?

(risos) Olha, acho que não afetou. Foi um prazer trabalhar com eles. E o perfume tem uma pegada musical. Ficou muito bonito e acho que foi bom para a banda também.

O status de sex symbol destacado na campanha não tem nada a ver com o seu jeito tímido…

De fato (pensa), mas é um personagem. E é o meu trabalho. Eu acabo me entregando fácil, porque é o que tenho de fazer. Mas… sabe… ainda acho estranho quando vejo o cartaz (risos). A marca quer usar minha imagem para vender o produto. Mas minha imagem como cantor. Por isso fiquei confortável em aceitar o convite. Acho que se eles quisessem fazer, por exemplo, uma foto minha correndo sem camisa na praia eu não tivesse aceitado (risos). Repare que eu estou deitado sobre os fãs e eles estão tentando tirar a minha roupa. Tem a ver com o que ocorre no mundo real. Já aconteceu comigo um par de vezes.

Numa delas você resolveu descer até a plateia e sumiu…

(risos) Foi em 2004, em Los Angeles. Eles são meio selvagens lá (risos). Foi um tanto assustador. Mas quando você faz um show, quer que as pessoas fiquem animadas, quer tornar aquele momento o mais especial possível. Só que naquele dia acho que me empolguei demais. E eles quiseram levar uma lembrancinha… Um pedaço da roupa, um dedo… (risos)

Esta segunda vinda ao Brasil foi melhor do que a primeira, né?

(riso amarelo, Julian leva as mãos à cabeça, se contorce) Ah, nem me fale. Uau! (balança a cabeça negativamente). Meu Deus! O show que a gente fez há seis anos foi… como posso dizer? Foi terrível. Eu praticamente perdi a voz, estava no meio de um resfriado, não conseguia cantar, a voz falhava a todo instante. Acho que foi um dos piores shows da minha vida. E eu contei os dias para poder me redimir, sabe? Acho que conseguimos. E foi muito bom também porque nossa apresentação encerrou o festival (Planeta Terra), então foi muito emocionante. Os fãs brasileiros são ótimos, eu adoro o Brasil. Esta volta foi muito legal.

Dez anos depois do primeiro álbum, o que mudou nos Strokes?

Musicalmente, estamos mais confiantes. Quando a gente começou havia uma série de incertezas, como em todo início. (faz uma pausa longa) Com o passar do tempo, fomos ficando melhores, acho que porque entendemos as razões da nossa música. Creio que melhorei um pouquinho também (risos). É necessário ter isso em mente: se você permanece sempre o mesmo, algo está errado. O grupo está num nível mais avançado, com certeza.

Sua voz é comparada com a de Lou Reed, e o próprio Strokes com o Velvet Underground. Foi algo que vocês buscaram?

Acho que isso faz bastante sentido… Até porque Velvet Underground é a banda mais legal de todas (risos). Claro que o Lou Reed não é o melhor cantor… (fala enquanto esconde o rosto) Aprendi muito com ele, com certeza. Mas é engraçado, porque não acho que minha voz soa como a dele o tempo todo, sabe? Em algumas canções, sim, mas não sempre. Nunca tentei copiá-lo. Digo, cantar falando, entende? Isso é uma coisa muito brasileira também, é outro motivo pelo qual eu gosto do Brasil.

Muita gente boa no rock, como Brandon Flowers e Noel Gallagher, já declarou ser fã dos Strokes. Isso te deixa mais tenso antes de um show ou de gravar um álbum?

Em parte, sim. No passado, bastante. Hoje menos. Mas é impossível não pensar nas pessoas que eu gostaria que gostassem da minha música. Muitas vezes, involuntariamente, a gente acaba se deixando levar por uma necessidade de ser aceito, sabe? Tento sempre evitar isso.

Como é seu processo criativo?

Eu não costumava escrever nada. Sério mesmo. As coisas ficavam muito na memória – aquele método grego antigo (risos). Mas evoluí. Escrevo muito no bloco de notas do celular, por exemplo. E tenho usado um aparelho como este seu (aponta para o gravador). Quando tenho uma ideia que julgo interessante, registro na hora. Todo o meu trabalho, agora, é editar. Se antes eu pensava em duas ou três músicas ao mesmo tempo, graças à tecnologia e à organização, passei a me dedicar a 200 canções de forma simultânea.

Parte da gravação de Angles foi feita em etapas, porque os integrantes do grupo não estavam sempre juntos. Como foi organizar tudo isso?

(pensa muito, suspira) Olha, fiz muito esforço para tirar as pessoas de dentro da casca. Trabalhamos juntos, primeiro, nas canções; então, quando fomos gravar, as músicas estavam prontas. Até aí foi fácil. Depois… tornou-se um exercício de democracia e paciência, até porque não posso impor minhas opiniões, não funciona assim.

Foram cinco anos sem gravar juntos. O que fez com que vocês voltassem ao estúdio?

Provavelmente, os cinco anos que ficamos sem gravar (risos). Mas, falando sério: cada um de nós tem de se desenvolver à sua maneira. E acho que esse desenvolvimento pessoal é importante para o grupo também.

Tem um quinto disco vindo aí?

Sobrou muito material do quarto álbum. E pensamos, sim, em fazer outro. Mas ainda demora. Precisamos de alguns meses para voltar ao estúdio. A turnê foi bastante cansativa, embora excelente. Teremos muito trabalho pela frente, com certeza. São mais de cinco mil arquivos de música para serem analisados.

E quanto à carreira-solo?

Ainda não sei. Preciso de um tempo também, sabe? Mas uma coisa é certa: prefiro trabalhar com gente, ouvindo os outros. Criar tudo sozinho, a partir do zero, é muito, muito chato.

O que você acha do crowdfunding, em que fãs fazem uma “vaquinha” para patrocinar shows de suas bandas favoritas?

Parece interessante… Aliás, mais do que interessante. É bom para que os fãs saibam o quanto os promotores realmente gastam com um show. Por outro lado… talvez os fãs sejam menos ambiciosos (risos). Nunca aconteceu conosco, mas deve ser bacana se apresentar nessas condições.

Undercover of Darkness foi lançado primeiro na internet (de graça). E, em três horas, registrou 85 mil downloads. O que acha desse tipo de marketing?

Foram 85 mil?

Os servidores caíram…

Uau (arregala os olhos). Não sei. Se foi uma estratégia de marketing, não foi minha (risos). Tento me manter fora dessa parte, meu negócio é botar a mão na massa, fazer música. Sinto-me melhor estando menos envolvido. Mas, 85 mil parece bastante coisa… Ainda bem que gostaram.

Aproveitando sua famosa timidez e o fato de que não gosta de falar, queria que respondesse o questionário de Bernard Pivot.

Vou ganhar pontuação no final? (risos)

Só o prazer de ter respondido perguntas legais.

(risos)

Qual sua palavra preferida?

Puxa vida… (pensa) só me vem à mente a palavra ‘mulligan’ – quando o golfista ganha uma segunda chance depois de errar a tacada, sabe?

É sempre bom ter uma segunda chance.

Oh, yeah.

Você não tem cara de quem joga golfe.

Na verdade, não jogo! (risos) Minha palavra favorita é… que difícil. Shit!

É uma palavra…

Não, não, espera! Pode ser – como é que se diz mesmo? – “lobo mau”? (Julian falou em português)

E a palavra que mais odeia?

Ceviche.

O que deixa você ligado?

Eu ia falar defuntos, mas… (risos). Não, não, esqueça isso. Acho que… mulheres!

E o que te deixa pra baixo?

Definitivamente, gente que gosta de se mostrar.

Barulho de que mais gosta.

Do oceano.

Barulho que mais detesta.

Qualquer tipo de alarme: de carro, de usina nuclear…

Seu palavrão favorito.

Take face (risos). Mas, por favor, não traduza. É rude…

Se você não fosse músico, gostaria de ser o quê?

Indiana Jones… (risos) Ou jogador de beisebol.

E que profissão você jamais teria na vida?

Tratador de zoológico. Qualquer uma que tenha a ver com animais aprisionados.

Para finalizar: se o Paraíso existisse, o que gostaria de ouvir de Deus ao chegar lá?

(ele eleva a mão direita, espalmada) High five! Ou, em português, “toca aqui”! (risos)

Fonte: Estadão